terça-feira, 21 de dezembro de 2010
TRÁGICA PREMONIÇÃO.
Exatamente as 6 horas da manhã do dia 12 de abril de 1980, um sábado, o telefone tocou na sala de Operações de Vôo da Transbrasil, localizada numa modesta instalação da companhia no aeroporto de Congonhas.
O funcionário de plantão, antes mesmo de atender a ligação, já sabia quem chamava. Como fazia há décadas, do outro lado da linha estava o próprio fundador da empresa, comandante Omar Fontana. Todo santo dia, religiosamente, Fontana começava suas jornadas ligando para a Coordenação de Vôos da companhia. Perguntava tudo que pudesse saber: como havia sido a operação de madrugada; se havia vôos atrasados; qual a ocupação das aeronaves; se havia alguma IROP - Irregular Operation - operação por algum motivo fora dos padrões normais, fosse por panes, cancelamento ou condições meteorológicas. Dessa forma, ao começo de cada dia, o comandante Omar Fontana tomava pessoalmente o pulso de sua empresa.
Como também era seu costume aos fins de semana, logo após Omar tomar seu desjejum, partiu em seu velho Oldsmobile verde rumo ao Clube Pinheiros, em São Paulo, onde religiosamente jogava volleyball com um grupo de amigos. A cada vez que um jato passava baixinho, na reta final para o aeroporto de Congonhas, sua atenção acabava sendo dividida entre a bola e o avião. Pior ainda quando a aeronave era da Transbrasil: Omar simplesmente esquecia do jogo, acompanhando a passagem de suas coloridas aeronaves. Naquela manhã de outono, Omar estava inquieto. Alguma coisa lhe incomodava em relação aos vôos de sua Transbrasil. Não que houvesse algo de especialmente preocupante. Sua companhia, então a terceira maior do Brasil, crescia rápido. A frota, composta unicamente por jatos 727-100, unia as principais cidades do Brasil. Omar tinha planos ainda mais ambiciosos: adquirir jatos 727-200, novos de fábrica, antes de investigar mais a fundo o então novíssimo Boeing 7N7 (futuro 757) com o qual pretendia substituir integralmente a frota de jatos 727. Antes mesmo do almoço, Omar tratou de ligar para a Coordenação de Vôo mais uma vez. Sabendo cada número de vôo de cor (afinal, era ele quem, pessoalmente, designava os numerais de cada serviço da empresa), naquela manhã Omar perguntou quem estaria no comando do QD303. A coordenação informou que o vôo 303 seria operado pelo Boeing 727-27C, matrícula PT-TYS, pilotado pelo comandante Geraldo Álvaro Bomilcar da Cunha Teixeira. Omar ficou satisfeito. Conhecia e confiava em Teixeira, um dos mais experientes e estimados pilotos da empresa. Ainda assim, algo lhe incomodava em relação ao vôo 303. O QD303 era um dos serviços mais tradicionais e rentáveis da companhia. Partia de Fortaleza as 14h40, escalava em Brasília (16h50 - 17h30), São Paulo (18h50 - 19h20) e Florianópolis (20h05 - 20h30) antes de pousar, ao final do dia, em Porto Alegre, as 21h30. A despeito das suspeitas de Omar Fontana quanto ao vôo 303, ele transcorreu normalmente até a etapa entre São Paulo e Florianópolis. Apenas um pequeno atraso, de aproximadamente 30 minutos, comum em serviços longos e cheios de escalas como este era, separava este QD303 de centenas de outras viagens cumpridas de forma semelhante, sem qualquer incidente, nos anos anteriores. Esse, por sinal, era um dos maiores orgulhos de Omar Fontana: sua empresa, a primeira a operar somente com jatos puros no Brasil, jamais havia sofrido um acidente fatal com um de seus jatos coloridos. Aliás, a última fatalidade envolvendo vôos da empresa havia ocorrido em 3 de novembro de 1967. Naquela data, o Dart Herald matrícula PP-SDJ, operando um vôo regular entre São Paulo e Curitiba, acidentou-se durante procedimento de aproximação para o Aeroporto Afonso Pena. Voando em meio à uma forte tempestade, a tripulação provavelmente recebeu um falso bloqueio e iniciou sua descida fora da posição correta, executando os procedimentos segundo a carta de aproximação, mas, sem saber, nas posições erradas. Este engano levou o PP-SDJ a colidir com a Serra da Graciosa, a aproximadamente 5.000 pés de altitude. Alguns ocupantes conseguiram escapar ao choque inicial, mas devido à remota localização do acidente, de difícil acesso, morreram antes da chegada das equipes de resgate na manhã seguinte. Ao final, dos 25 ocupantes, somente dois tripulantes e dois passageiros sobreviveram. Esse acidente, ocorrido praticamente treze anos antes daquele sábado de abril de 1980, havia sido o pior da história da companhia. Omar Fontana tinha muito orgulho do elevado padrão de segurança operacional da Sadia/Transbrasil. Como bom piloto que era, nunca transigiu, fez qualquer concessão ou relaxou um minuto sequer quanto à manter um padrão de seguranca operacional que considerasse nada menos que impecável. Justamente por isso é que Omar insistia em ligar, a cada manhã, para a Coordenação de Vôo. Naquele fatídco dia, completavam a tripulação do comandante Teixeira o primeiro-oficial Paulo César Vaz Vanderley, o engenheiro de vôo Walter Lúcio Mendes, os comissários Gilson Martins Guimarães, Heraldo Dias de Oliveira, Katya dos Santos Barcelos e Maria Levy Guedes. Na partida de Congonhas, além de 50 passageiros, viajava no Boeing um profissional que não era nem passageiro nem pertencia aos quadros da Transbrasil. Checando os procedimentos operacionais da empresa, como sempre foi praxe no Brasil, viajava no QD 303 o Major Ricardo Matriciano, da Força Aérea Brasileira. O papel de Matriciano, embarcado no Galeão, era supervisionar os procedimentos operacionais da companhia durante os vôos até Porto Alegre. Sentado no jump-seat, Matriciano deveria atuar como mero observador, embora tivesse habilitação técnica para pilotar o Boeing. No entanto, como era praxe em nossa aviação, as tripulações acabavam convidando os pilotos-checadores a serviço do então DAC - Departamento de Aviação Civil - a realizarem ao menos uma manobra de pouso ou decolagem. Desta forma, o Major foi convidado a ocupar o assento da esquerda e pilotar o jato até Florianópolis. Teixeira passou para a poltrona da direita e cuidou de auxiliar a operação de pilotagem a cargo do Major, operando os rádios, encarregando-se de toda a comunicação com o solo. O primeiro-oficial Vanderley, por sua vez, sentou-se no jump-seat. Em Congonhas, o PT-TYS recebeu 9.150kg de JET A-1. Os 58 ocupantes tomaram seus assentos. Com tudo pronto, o Boeing iniciou o taxi e decolou normalmente as 19h55, para a penúltima etapa de sua longa jornada iniciada em Fortaleza. Com duração prevista de aproximadamente 45 minutos até a capital catarinense, o Boeing deveria pousar em Porto Alegre, terminando seu dia, por volta das 22h30. Durante o curto trecho em rota, apenas refrigerantes e salgadinhos foram servidos. A viagem transcorreu sem maiores sobressaltos, embora o Boeing tivesse que desviar de pesadas formações em rota. Ao iniciar a aproximação para Florianóplis, a tripulação começou a ter maior trabalho. Um frente fria, de grande intensidade, dominava toda a terminal de FLN, estendendo-se até Itajaí. Havia pesadas formações em toda a área, com chuva forte, granizo e grande número de descargas elétricas. Sobre o Aeroporto Hercílio Luz, a instabilidade frontal provocava chuva forte o suficiente ao ponto de prejudicar as operações. Precedendo a chegada do QD303, um Boeing 727 da Varig executava o procedimento de descida alguns minutos antes do jato da Transbrasil. As condições eram tão adversas que levaram a tripulação da Varig a considerar o cancelamento do plano original, rumando alternadamente para Porto Alegre, sem descer em Florianópolis conforme programado. Ao final, o Boeing da Varig optou por prosseguir e pousou normalmente no Hercílio Luz. Logo atrás do jato da Varig vinha o o 727 da Transbrasil. Durante a descida, em meio às pesadas formações, o comandante Teixeira chamou o controle de aproximação (APP) de FLN e indagou por duas vezes se o NDB FLO (Non Directional Beacon) na freqüência de 280 KHz estava realmente em operação. Esse fixo, auxiliar de navegação, não era facilmente identificado pelos instrumentos do Boeing. Segundos depois, porém, Teixeira comunicou ao solo: ".agora estamos recebendo."
O Controle então autorizou o Transbrasil 303 a descer para o nível 060 (6.000 pés) e prosseguir na aproximação por instrumentos Delta. No entanto, o relatório final do acidente, publicado pelo CENIPA, afirma na página 18, sub-seção Análise e Conclusão, textualmente o seguinte: "A recepção dos sinais do NDB fica bastante prejudicada com a proximidade de formações meteorológicas do tipo cumulus nimbus e este era o tipo de formação predominante na Terminal de Florianópolis pela passagem de uma frente de grande intensidade. Por conseguinte, devemos considerar que durante toda a descida, e no período do próprio procedimento, as marcações estariam flutuantes, isto é, marcações não inteiramente confiáveis". Ou seja: a mesma armadilha fatal que levou ao desastre da Serra da Graciosa, ocorrido 13 anos antes, começava a ser armada pelo destino para os ocupantes do PT-TYS. Minutos adiante do 727 da Transbrasil, o Boeing da Varig executou a mesma aproximação com sucesso. Quando o comandante Teixeira comunicou que o Transbrasil 303 havia atingido 5.000 pés, foi instruído pelo controle para manter a altitude e aguardar para iniciar o procedimento, que pela carta de descida deveria ser executado a 3.000 pés, altitude em que se encontrava o jato da Varig. Teixeira confirmou que o Transbrasil 303 aguardaria, mantendo 5 mil pés. A seguir, instruiu o major Matriciano a iniciar a curva de afastamento mantendo a altitude. Foi aí que começaram a se desenrolar os fatos que levariam ao trágico fim do vôo 303. O major Matriciano não executou a curva mantendo a velocidade indicada nem tampouco o tempo prescrito para a manobra. Logo nessa primeira curva, o Boeing executou o procedimento em velocidade superior ao determinado. Pior: manteve-se em curva por 110 segundos, quando o procedimento claramente indicava que o tempo para aquela curva deveria ser de 60 segundos. Essas discrepâncias contribuiram para afastar o vôo 303 de sua trajetória ideal e colocá-lo, caprichosamente, em rota de colisão com as montanhas da parte norte da ilha de Florianópolis. A bordo da cabine de comando, os tripulantes trabalhavam muito, lutando contra condições adversas. A turbulência era severa, dificultando a manutenção de proas e altitudes. A chuva pesada, mais os raios que cortavam os céus sobre Florianópolis, tornavam praticamente impossível observar externamente a posição da aeronave em relação ao terreno. O fato do major Matriciano estar ao comando tampouco ajudava. Voando com menos freqüência do que pilotos de linha, este fator certamente contribuiu para o desfecho trágico do vôo 303. Ao final dessa longa curva, o Transbrasil foi instruído finalmente a abandonar a altitude de 5.000 pés e acusar o rebloqueio a 1.000 pés. Teixeira acusou o recebimento da mensagem, a última que trocaria com o solo. A aeronave então começou a perder altura para entrar na aproximação Delta. Abandonando o nível 50, a tripulação do Transbrasil 303 completou a curva de afastamento. Ao receber a indicação de través do NDB, o cronômetro de cabine foi acionado. Segundos depois, os pilotos comentaram entre sí sobre a forte turbulência enfrentada. Ao completar um minuto de afastamento, a aeronave iniciou a curva para o regresso. Os altímetros foram ajustados para 1009 milibares e o Boeing prosseguiu na descida. Teixeira baixou os trens de pouso do Boeing e acendeu os faróis de pouso. O Boeing preparava-se para o pouso, sem que a tripulação se desse conta de que estava perdida, mais de 8 km ao norte da trajetória ideal e em meio à chuva torrencial. Passava pouco das 20h35 da noite de sábado, 12 de abril de 1980.Naquele momento, a quase 500 km ao norte da tempestade que se abatia sobre Florianópolis, Omar Fontana estava inquieto. O fundador da Transbrasil encontrava-se em São Paulo, no bar do restaurante Suntory, com executivos da General Electric, com os quais discutia planos para a aquisição da nova frota de jatos com os quais pretendia modernizar sua Transbrasil. Omar bebericava um uísque enquanto os executivos desfilavam as razões pelas quais as duas empresas deveriam fazer negócios. Absorto, mal ouvia o que seus interlocutores lhe diziam. Permanecia estranhamente inquieto, sobressaltado, tomado por uma sensação angustiante. Minutos depois, Omar e seus convidados passaram a ocupar uma das pequenas salas privativas do Suntory, numa disposição arquitetônica comum em restaurantes asiáticos. Com a porta de papel arroz fechada, Omar sentiu-se ainda mais angustiado, como um pássaro preso em uma gaiola. Tomado por essa sensação, pediu licença e, pela quinta vez naquele dia, ligou para a Coordenação de Vôo. Foi direto: quiz saber tudo sobre o vôo 303. Se havia saído no horário, quem era a tripulação, quantos passageiros havia a bordo, etc. Perguntou se tudo estava em ordem e, com a resposta positiva, acalmou-se. Voltou à salinha privé e, pedindo desculpas aos convivas por ausentar-se, esqueceu o assunto. Seriam aqueles seus últimos momentos de tranquilidade pelos anos seguintes. Naquele exato instante, o Boeing 727 sobrevoou o povoado de Santo Antônio de Lisboa a baixa altitude, a menos de 300 metros acima do terreno. A perda de altitude foi rapidamente constatada pelo experiente piloto da Transbrasil, que por mais de uma vez, alertou o major Matriciano e o exortou a manter 2.000 pés. O Boeing então voava a 150 nós quando, de fato, potência foi aplicada aos três motores. Segundos depois, o Boeing sobrevoava a região de Ratones. Á sua frente, oculto pelas nuvens e pela forte chuva, estava o Morro da Virgínia, uma elevação de pouco mais de 1.100 pés de altitude, ligeiramente mais alto do que a altitude do Boeing naquele instante. O major Matriciano iniciou uma curva para a direita, tomando o rumo sul, em direção ao aeroporto onde, minutos depois, pretendia pousar. No entanto, vários moradores foram surpreendidos pela passagem baixa do Boeing sobre suas modestas casas. Entre estes estava Ciríaco João Pereira, dono de um pequeno armazém localizado nos arredores do próprio Morro da Virgínia, distante 19 quilômetros do centro da cidade. Ciríaco teve sua atenção chamada pelo ruído excepcionalmente alto dos motores do jato. Saiu depressa detrás do balcão e foi para a porta de sua loja. Ainda teve tempo de ver as luzes do 727 em meio a chuva, e numa questão de segundos, o Boeing colidiu com o cume do morro da Virgínia. Ele narrou assim os últimos segundos do vôo 303: "Não sei como ele ainda alcançou aquela altura antes de bater. Eu fazia idéia de que ele ia cair aí nessa fazenda ao lado. Foi uma coisa de uns segundos. Ele subiu e foi bater quase na ponta do Morro da Virgínia. Eu vi as luzes indo para o morro e vi o fogo. Clareou o céu todo, fez aquele fogo no céu todo". Um dos clientes do armazém narrou assim a visão aterradora: "Foi uma zuada tremenda e o Ciríaco disse: vem um avião aí, vai cair logo ali. Nós saímos e espiamos, eu vi três luzinhas e disse que eram três aviões pequenos mas ele não concordou. Ele falou que era um só, um ajato e que estava baixo demais." Eram exatamente 20h38 quando o Boeing 727 PT-TYS colidiu contra a vertente noroeste do morro, a aproximadamente 1.000 pés de altitude. Com mais 100 pés, ou aproximadamente 30 metros, teria livrado a elevação e provavelmente concluído sua viagem. O destino não quiz assim. Inicialmente, a ponta da asa esquerda tocou contra a copa de árvores que cobriam todo o cume do morro, onde havia densa vegetação de mata tropical. Progressivamente, a asa do Boeing foi aumentando sua área de contato, desacelerando unilateralmente a aeronave. Os troncos das árvores foram sendo seccionados até a fuselagem do jato atingir o solo. A crescente resistência imposta pelos impactos fez com que o 727 se inclinasse para a esquerda, até que a raiz da asa esquerda finalmente atingiu uma enorme pedra. A partir daí a desintegração da estrutura foi súbita e violenta. A parte anterior da fuselagem colidiu contra o solo e desintegrou-se completamente. A parte posterior, juntamente com a cauda, passou por cima do ponto inicial de impacto da fuselagem contra o terreno e foi parar mais de 300 metros adiante, praticamente no cume da elevação. Os estabilizadores horizontais, bem como o trecho superior da empenagem, com as sete cores do arco-íris da empresa, permaneceram como as únicas partes reconhecíveis do jato, mais distantes e mais altas dentre a vasta área de destroços. No entanto, nem mesmo a severidade do impacto foi suficiente para ceifar a vida de todos os ocupantes. Segundos após a colisão final, ocorreu uma enorme explosão, resultante da combustão do combustível presente nos tanques. Praticamente toda a área dos destroços foi tomada por súbita e violenta combustão, que levou a vida de vários ocupantes que haviam resistido aos impactos iniciais. Ainda assim, estima-se que pelo menos 10 pessoas tenham sobrevivido nas horas seguintes à colisão. Minutos após a colisão, moradores das proximidades ligaram para autoridades e para a imprensa local, alertando sobre o desastre. Logo depois, os escritórios da Transbrasil no Aeroporto Hercílio Luz foram notificados da queda do vôo 303. Imediatamente, o departamento de Coordenação de Vôo foi acionado e a notícia começou a correr entre os diretores da empresa. Celso Cipriani, genro de Omar Fontana, foi o primeiro da família Fontana a ser notificado. Sabendo que Omar encontrava-se no restaurante, decidiu dar a notícia pessoalmente. Passava pouco das 22h00 quando Celso chegou ao Suntory e pediu para conversar com Fontana. Ao abrir a porta da pequena sala privativa, nem foi preciso dizer nada: Omar logo percebeu, pelo semblante de Cipriani, que algo muito sério havia ocorrido. Antes que Celso dissesse qualquer coisa, Omar disparou a queima-roupa: "Aconteceu alguma coisa com o 303, não?" Surpreso, Celso confirmou o desastre. Omar retornou à salinha, pediu desculpas e rumou imediatamente para Congonhas. Em lá chegando, disparou ordens para que um 727 fosse preparado para partir o quanto antes para Florianópolis. Todos os diretores da Transbrasil foram convocados. A empresa mobilizava-se como podia para prestar o melhor auxílio possível. No entanto, pouco havia a fazer. Nesse momento, no cme do Morro da Virgínia, sob chuva intermitente, as vítimas ainda esperavam pelo socorro que custaria a chegar. Nos dias seguintes ficou claro que o número de vítimas poderia ter sido significativamente menor se as equipes de socorro não tivessem demorado tanto para chegar ao local. E, sobretudo, se as primeiras pessoas a chegar ao local da queda não demonstrassem incrível crueldade, saqueando pertences dos mortos e dos agonizantes. Sobreviventes e testemunhas lembram-se de várias pessoas que, ao invés de prestar primeiros socorros, simplesmente foram ao local para pilhar os corpos, abriando e vasculhando malas e bagagens. O Homem é o lobo do Homem. Durante a madrugada, a Polícia Rodoviária, uma das primeiras a saber do desastre, acionou o Esquadrão Pelicano de buscas e salvamento, lotado na Base Aérea de Florianópolis. Helicópteros Bell UH-1 Huey decolaram rumo ao local, mas devido ao terreno íngreme e ao fogo, não encontraram local adequado para pouso. Somente após a chegada dos bombeiros, que trataram de abrir uma clareira, é que os Pelicanos conseguiram pousar e iniciar o resgate. Infelizmente, a falta de assistência, o fogo e os politraumatismos cobraram seu preço. Quatro ocupantes foram resgatados com vida: Flávio Goulart Barreto, Cleber Moreira e sua esposa, Marlene Moreira, foram os únicos três que efetivamente escaparam com vida. O pequeno filho do casal, João, de apenas 3 anos, faleceu no local. A médica carioca Denise Moritz Pereira, primeira a embarcar no primeiro helicóptero de resgate que conseguiu pousar no local, por volta da meia-noite, foi levada a um hospital na ilha e depois transferida para um hospital no Rio de Janeiro. Apesar de todos os esforços, Denise não resistiu, vindo a falecer dias depois. Omar ficou especialmente abalado com a tragédia. Em primeiro lugar, pela grande perda humana, dentre as quais, algumas até conhecia pessoalmente. Em segundo, porque o PT-TYS caiu em uma cidade pela qual ele tinha especial apreço. Capital do estado em que nascera, Omar tinha até mesmo uma casa de veraneio em Florianópolis. Foi como se o acidente tivesse ocorrido em sua própria casa. Nos meses seguintes, a aeronáutica e a Transbrasil empenharam-se em descobrir o que poderia ter levado à tragédia. O relatório final custou a sair. Publicado na edição de Relatórios de Acidentes Aeronáuticos Mais Significativos - 1980-1983, publicada em dezembro de 1984 pelo CENIPA, o documento não aponta um fator diretamente relacionado à tragédia: em nenhum momento faz menção do fato de que o major Matriciano pilotava a aeronave. Diz apenas que "Teixeira ocupava o assento da direita". Contribuiu para o acidente o fato de que o PT-TYS não era equipado com GPWS, Ground Proximity Warning System, que poderia ter evitado a tragédia. Afinal, aquele era um jato dotado de tecnologia dos anos 60, e o emprego deste dispositivo não era nem obrigatório nem tampouco comum à época. Um fator contribuinte de grande impacto na cadeia de acontecimentos que levou ao desastre estava fora do âmbito de responsabilidade da Transbrasil ou de seus tripulantes: o fato é que os auxílios fixos e os intrumentos disponíveis à navegação em Florianópolis eram absolutamente rudimentares à época. O relatório conclui que o acidente ocorreu por uma seqüência de fatos, pequenos erros ou omissões, elencando textualmente: 1- Turbulência que dificultou a manutenção de proas e altitudes. 2- Interferência elétrica de grande magnitude que perturbou a recepção dos sinais do NDB. 3- Descida abaixo da altitude prevista no final da curva de aproximação, ocasionada pela confiança que a tripelação sentia em sua segura posição geográfica. 4- Forte vento de través, ignorado pela tripulação e pelo controle de tráfego, que contribuiu para desviar a aeronave de sua trajetória normal no procedimento de descida. Como recomendações, o CENIPA enumerou três ítens principais: 1- As tripulações devem manter os tempos exatos e proas exatas na curvas de aproximação, manter altitude e velocidades prescritas nas cartas de aproximação. 2- Dotar o Aeroporto de Florianópolis de equipamentos de aproximação mais precisos e menos influenciáveis pelas condições atmosféricas. 3- Recomenda à DIREPV (Diretoria Regional de Proteção ao Vôo) que investigue a possibilidade de bloqueios falsos sob tempestades na Terminal de Florianópolis, bem como a instalação de equipamento ILS e radar de aproximação. De fato, nos anos seguintes, o Aeroporto Hercílio Luz ganharia todos estes auxílios à navegação. Tarde demais para 55 dos 58 ocupantes do Transbrasil 303.
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