segunda-feira, 20 de dezembro de 2010
ALÉM DA VELHICE DOS TURPOLEV O QUE MAIS FAZ CAIR TANTAS AERONAVES DESTE MODELO?
Acidentes / Blackboxes Vladivostokavia 352
A Vladivostokavia, como o nome indica, é uma empresa aérea baseada em Vladivostok, principal porto russo no Pacífico. Na noite do dia 4 de julho de 2001, um de seus Tupolev Tu-154M, matriculado RA-85845, operando o voo 352, partiu de Ekaterinburgo para Vladivostok, com uma escala intermediária em Irkutsk, uma longa jornada doméstica de 5.098km. A decolagem deu-se de forma rotineira as 19h47 (todas as horas locais) e o jato permaneceu boa parte do trajeto a 10.100 m de altitude.
O jato havia sido fabricado em 1986 e contava com 20.953 horas de voo, cumpridas em 11.387 ciclos. Após voar por quase 3 horas nesta primeira etapa de 2.817 km, o Tupolev iniciou sua descida para Irkutsk. Naquela etapa, o jato era conduzido pelo Primeiro Oficial. Eram 02h05 e a temperatura no aeroporto naquela noite de verão era de 14ºC. O teto era de pouco mais de 700m. Hora de entrar na cabine de comando do Tupolev e perceber como uma aeronave em perfeitas condições pode ser conduzida de forma incrivelmente desastrada.
ATC: Controle Irkutsk
ATIS: Automatic Terminal Information System
CAP: Comandante
CAP-RDO: Transmissão de rádio feita pelo comandante do voo
F/E: Engenheiro de voo
F/O : Primeiro-Oficial (piloto voando)
NAV: Navegador
NAV-RDO: Transmissão de rádio feita pelo navegador
?? : Não identificado
01h58:07 NAV-RDO: 845 (NE: três últimos números da matrúcula RA-85845), 5700. (NE: metros de altura sobre o solo. A aviação na antiga União Soviética usa o sistema métrico).
01h58:10 ATC: 845 Razdolye confirmado (passando um waypoint), a 5.700, (metros) contate controle em 125.20.
01h58:21 NAV: 125.20.
01h58:21 CAP: Okay.?
01h58:22 NAV RDO-1: Controle Irkutsk, 85845, boa noite, Razdolye a 5.700, informação X-ray (NE: informação ATIS X-Ray).
01h58:32 ATC: 85845, controle Irkutsk, boa noite, final 282 graus, distância 8 (km), desça e mantenha 2.700 (metros) para a perna do vento, curva à esquerda.
01h58:43 NAV RDO-1: 845, perna do vento, descendo a 2.700 metros.
01h59:25 CAP: Ok, parece tudo certo.
01h59:35 CAP: Vai nos levar a uns 550 metros.
01h59:46 CAP: .Para a perna do vento.
02h01:42 CAP: Yura (nome de F/E), ligue o aquecimento.
02h01:42 F/E: Ligado.
02h01:55 ATC: 845, distância 40 km, desça e mantenha 2.100 (metros).
02h01:58 F/O: 2.100. (metros)
02h01:59 NAV RDO-1: 845 descendo a 2.100.
02h02:59 CAP: (falando para o primeiro oficial) confortável para uma aproximação direta aqui. Bem, nos iremos passar DAGES (NE: intersecção) nesta altitude, e de lá nós teremos mais 550 metro. Daí nós desceremos.
02h04:09 ATC: 845, a última é a Yankee (ATIS), confirme que você recebeu a Yankee. NE: Tripulação havia informado que havia recebido o ATIS anterior, X-Ray.
02h04:13 NAV RDO-1: Entendido, escutando ATIS agora.
02h04:21 ??: ATIS:. milimetros, QFE 947, sem alterações significativas, confirme que recebeu informação Yankee no contato inicial.
02h04:43 CAP: Kolya (nome do Navegador), você escuta, eu fico no rádio, ok? (ATC)
02h04:45 NAV: Ok, estou escutando.
02h04:49 CAP RDO-1: 845, 2.100.
02h04:52 ATC: 845, qual o padrão de aproximação?
02h04:55 CAP RDO-1: Por NDB, informação Yankee, altímetro 7-10 (em mm de mercúrio).
02h05:02 ATC: 845, autorizado aproximação NDB, desça para 900 (metros) para curva base, altímetro 7-10.
02h05:08 CAP RDO-1: 845, Descendo a 900 para curva base, altímetro 7-10.
02h05:14 ATC: 845, Na perna do vento agora, 11 km para a reta final.
02h05:14 CAP RDO-1: Ok, temos o campo a vista, entendido.
02h05:28 F/O: Yura (nome do F/E), pode desligar (o aquecedor). Daí a gente vê como fica.
02h05:29 CAP: Sim, já surtiu efeito.
02h05:32 NAV: Eu acredito que mais uns 20 km (NE: de trajeto até o aeroporto).
02h05:34 CAP: Okay.
02h05:36 NAV: Altímetro ajustado 7-10.
02h05:43 CAP: Vamos reduzindo agora, vamos mais devagar, reduza a velocidade.
02h05:44??: Desacelere, desacelere...
02h05:47 CAP: Acerte o altímetro para 7-10.
02h05:48 F/O: 7-10.
02h05:49??: 7-10.
02h05:55 CAP RDO-1: 845, estamos a 1.800 (m), altímetro 7-10, reportará passando 1.250 (m), descendo para 900 (m).
02h06:01 ATC: Ok, entendido.
02h06:03 NAV: 150 (m) para atingir a altitude.
02h06:04 F/O: Sim...
02h06:05 CAP: Desacelere, reduza sua velocidade.
02h06:05 F/O: Reduzindo, reduzindo.
Neste momento fica mais do que claro que o comandante do voo 352 observa que o trabalho de seu Primeiro Oficial deixa a desejar. Discrepâncias nos procedimentos-padrão de operações começam a surgir e a se somar. A perosonaludade do comandante, pouco inclinado a instruir, certamente oprime o pouco experiente Primeiro Oficial.
02h06:06 NAV: Atenção para a mecanização.
Não fica claro de que se trata, pois o termo não segue a fraseologia padrão. Pode ser uma referência às superfícies de sustentação, embora "flaps" ou "spoilers" não sejam mencionados.
02h06:08 CAP: Temos 100 metros para nossa altitude.
02h06:09 F/O: Afirmativo, 100 metros.
02h06:10 NAV: . quilômetros.
02h06:13 CAP: Você selecionou 8 (NE: 8 m/s de razão de descida), é por isso que você está com tanta velocidade.
02h06:17 CAP: Aqui vamos nós, Yura (nome do F/E), agora no meio das nuvens.
02h06:17 CAP: Veja, a temperatura é.
02h06:21 NAV: Temos a informação de vento a 290 graus com 5 nós, 14 graus, 710 (m) CAVOK.
02h06:25 CAP: Certo.
02h06:26 CAP: Okay, agora ligue isto e...
02h06:28 F/O: Está ligado? A luz está acesa?
02h06:30 NAV: Agora está funcionando.
02h06:32 CAP: Quantos quilômetros mais
02h06:34 NAV: 8 quilômetros.
02h06:34 F/O: 8 (km).
02h06:35 CAP: Entendido.
02h06:56 CAP: Okay, continue levando, estou selecionando "hold altitude."
02h06:58 F/O: Okay.
02h07:02 F/O: 400 quilômetros (NE: velocidade em km/h).
02h07:03 CAP: Leme correto, descer trem de pouso.
02h07:06 F/O: Descendo.
02h07:08 F/E: Estão indo.
02h07:10 F/O: Trens de pouso.
Neste momento, o jato inicia uma curva para a esquerda. Voando em meio às nuvens, sem refeência visual externa, o Primeiro Oficial inclina demais o avião, executando uma curva que chega a colocar as asas do Tupolev em um ângulo de 23 graus de inclinação em relação ao solo. A potência é aplicada de forma insuficiente, e esta combinação degrada a sustentação do jato. A altitude de 850 m com 360 km/h de velocidade simplesmente faz com que o Tupolev comece a afundar rumo ao solo. O piloto automático começa a trabalhar para sustentar o avião e atua de maneira a fazer com que o ângulo de ataque suba. Ele vai gradativamente sendo elevado até atingir a marca de 16,5° acima do horizonte.
02h07:12 ATC: 845, gire perna base, desça a 850 metros para interceptar final.
02h07:17 CAP RDO-1: 845, descendo 850 (m) para a final.
02h07:21 F/E: Trens baixados.
02h07:23 CAP: Okay. A velocidade está caindo demais.
02h07:25 CAP: Desça.
02h07:27 CAP: 850, (m) potência 70 (N1=70%).
02h07:29 F/E: 70.
02h07:30 CAP: 350 (km/h), velocidade nos parâmetros.
02h07:32 CAP: potência em 7-5.
O comandante pede mais potência, que o N1 seja aumentado para 75% do disponível.?O engenheiro de voo empurra os manetes e responde ao comando.
02h07:33 F/E: 7-5.
02h07:37 NAV: aproximando os 850 (m).
02h07:37 CAP: potência em 80.
02h07:40 F/E: 80.
02h07:42 CAP: potência em 82.
02h07:43 F/E: 8-2.
02h07:44 NAV: 850 (metros).
02h07:45 CAP: 850 (metros).
São 02h07:46. Neste momento, o CVR grava o alarme de AOA (ângulo de ataque) e máxima aceleração atingidas. Dois segundos depois, o CVR grava o som do piloto-automático sendo desconectado. O excessivo AOA que disparou o alarme fez com que o Primeiro Oficial desconectasse o piloto-automático. Na tentativa de reduzir a elevação do nariz, ele agiu de forma inepta: virou o manche ainda mais para a esquerda. A curva, já acentuada, passou de 30º a 48º sobre o eixo, ou seja: a aeronave virou de dorso. O nariz aí sim apontou para o solo, fruto da perda de sustentação. A situação começa a escapar do controle, e isto gera uma resposta imediata do comandante, que reage ao que percebe ser a aeronave escapando ao controle. A partir deste momento, ninguém mais fala na cabine: os tripulantes passam a gritar entre sí.
02h07:49 CAP: Porra! O que você está fazendo!?
02h07:51 CAP: Velocidade!
02h07:53 CAP: Porra, acelere isso!
02h07:53 F/O: Pare! Pare! Onde? Onde?
02h07:55 CAP: Pare! Pare! Pare! Pare!
O comandante assume os controles. Ele vira o manche alternadamente para a esquerda e para a direita. A situação é dramática, com o Tupolev entrando em um mergulho a baixa altitude.
02h07:55 NAV: Faça assim, assim, assim!
02h07:57 CAP: Estamos recuperando!
02h07:58 NAV: Calma, vai com calma, calma!
02h07:59 F/O: Vamos virar para a direita!
O Primeiro Oficial percebe que a aeronave esta em atitude anormal e indica que é necessário virar para a direita. A razão de descida chega a 20 metros por segundo e um dos tripulantes puxa o manche com toda a força para trás. O resultado é que o Tupolev reage rapidamente e seu nariz agora sobe acima do horizonte. São 02h08:01. Soa na cabine o alarme de radio-altitude mostrando que a aeronave perde altitude rapidamente, fruto do parafuso chato. O alarme de AOA volta a ser acionado e fica assim até o fim da gravação.
02h08:02??: Potência! Força máxima!
02h08:05??: Potência!
02h08:06 F/E: Já dei!!!
02h08:08??: Potência!!!!
02h08:09 F/O: Potência máxima! Ahh, meu Deus!
02h08:09 F/E: Potência de decolagem ajustada!
Sem grande velocidade horizontal, o Tupolev entra na armadilha mortal que é particularmente severa em aeronaves com motores na cauda e estabilizadores verticais no alto da deriva: o mergulho chato, uma situação de descontrole da qual é praticamente impossível sair. A tripulação do Vladivostokavia 352 não mais consegue recuperar o controle do jato.
02h08:11??: É isso, pessoal! Acabou!
São 02h08:16. Na cabine de comando, nenhuma outra palavra é proferida. O terror, a impotência, e a realização de que a morte virá em questão de segundos paralisam os aeronautas. Na gravação do CVR, ouve-se apenas o som monótono do alarme de radio-altitude comprovando a inexorável queda do Tupolev 154. A gravação termina com o impacto na plantação as 02h08:32. O jato bate contra o solo e explode instantaneamente, com enorme desaceleração vertical, próximo ao vilarejo de Burdakovka. A bordo estavam 136 passageiros - entre eles, seis crianças - e nove tripulantes.
OBS:Fonte.© Gianfranco Beting 2010 / Jetsite.com.br
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